terça-feira, 24 de agosto de 2010

Eu ia postar a história apenas no bloguinho privado. Diante da relevância do assunto, porém, reproduzi aqui a conversinha que rolou dia desses na hora do jantar. Ceci comentava sobre as preferências políticas dos amigos do colégio:
_A G. "vota" na Dilma, a J. "vota" no Serra, a mãe do P. não sabe se vai votar no Beto ou no Osmar...
Até que Clarice, até então ouvindo a conversa da irmã, interrompe:
_Mamãe, na minha escola é a galinha que VOTA ovo, viu???

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Ontem, mais uma vez, chorei no trabalho. Às sete da noite, em Apucarana, quando a delegada do Sicride chegou ao hospital com o pequeno Nicholas nos braços, para entregá-lo de volta à família. O bebê, com apenas um dia de vida, foi sequestrado da maternidade por uma mulher que se passou por falsa enfermeira (reportagem completa aqui). Foram quase 24 horas de investigações, mas a polícia fez um bom trabalho e Nicholas, nascido com 3,8 quilos, 50 centímetros, de parto normal, terminou o dia mamando placidamente na mãe.
Às sete da noite, em frente ao hospital, por alguns momentos deixei as lágrimas rolarem. Por alguns momentos, me esqueci que precisávamos da melhor imagem, da melhor entrevista, do melhor jeito de contar uma história que - ufa! - teve final feliz. De olhos marejados, abaixei a caneta e o bloco para agradecer pelo renascimento de uma família.
Não me passou pela cabeça insistir, diante da sensata negativa das autoridades, para estar no quarto no momento do reencontro entre mãe e filho. Assim como não costumo fazer perguntas piegas para arrancar lágrimas e expressões comovidas dos entrevistados. Em frente ao hospital, sequer me senti no direito de querer participar de tal momento. E até me constrangi pela insistência coletiva. A impressão, sempre, é que as pessoas esquecem a vida existente por trás das histórias.
No final, a gente conseguiu a imagem, as entrevistas, a reportagem. Sem apelação, sem invasão, sem intromissão. Com ética e respeito, como deve ser.
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Em casa, depois de 18 horas de ausência, o drama era outro. Clari, quase sempre resistente a doenças infantis, foi derrubada por uma "virose" que trouxe vômito, diarreia, febre e uma desidratação. Longe dos meus olhos - e diante da falta de cuidados de um pediatra que me pareceu negligente -, minha pequena definhou e, hoje, terminou a manhã na sala de observação do hospital.
Enquanto eu estava longe de casa, a avó e o pai acharam que ela estava bem e o médico - sem reexaminá-la - garantiu que era apenas a segunda fase de um quadro viral. Eu, de noite, encontrei-a dormindo. Mas, de manhã, quando vi minha filha prostrada, sem fome, sem vontade de brincar, soube que a situação não era boa. No pronto socorro, o diagnóstico confirmou o que o instinto materno já tinha detectado. Além da desidratação, uma infecção. Ela foi hidratada, medicada e agora repousa ao meu lado, "lendo" pela milésima vez o adorado livro da Branca de Neve.
Satisfeita por ter chegado a tempo de socorrer Clarice, não posso deixar de pensar que, ainda bem, Nicholas também vai ter os cuidados da mãe a cada gripe, dor de garganta, joelho ralado ou misteriosa virose. Depois de um contrubado primeiro dia de vida, esse garotinho merece colo, afagos, carinho e o leite quentinho da mamãe. Que todos eles - mãe, pai, avó, tios e crianças - sejam muito felizes.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Clarice fez três anos. Pouco tempo perto de toda a história da humanidade, mas uma eternidade para mim que, de uma hora pra outra, tive que realmente aprender a lidar com a diversidade dos seres humanos. Porque ser mãe da Cecília sempre foi natural. Como eu, minha primogênita é mais introspectiva que extrovertida, troca facilmente os esportes pela literatura, perde tempo com filosofias baratas e cultiva uma certa letargia inerente às pessoas que pensam demais. Além de tudo, é canhota como a mãe, o que me facilitou horrores nos ensinamentos para a auto-suficiência nos primeiros anos de vida.
Clarice é diferente. Mais intuitiva que reflexiva, anda correndo, alheia a obstáculos como quinas de mesa ou brinquedos no chão. Exploradora, estreeou em casa a mania de puxar um banquinho para alcançar coisas no alto e, independente, conquistou o direito de fazê-lo para lavar as mãos sozinha, acender a luz ou pegar brinquedos e livros na prateleira mais alta. Foi por ela que, mãe de segunda viagem e depois dos 30, aprendi a ficar ligada em movimentos bruscos, silêncios prolongados e locais propícios a escapulidas. Também aprendi a argumentar de forma menos racional, pautada pela intuição, mesmo que isso às vezes culmine em conversas sem sentido com uma pequena de três anos. Porque Clarice, ao contrário da irmã, demora a perceber que causas têm consequências. Impulsiva e aventureira, sempre paga para ver, o que me deixa com cólicas ao imaginar que, no futuro, ela possa gostar de coisas do tipo saltar de paraquedas.
Clarice sempre tem solução para tudo e, quase sem pensar, coloca as ideias em prática sem ter certeza de que vai dar certo. Intuitiva, quase sempre consegue. Natália, a amiga imaginária, leva culpa por traquinagens nunca antes realizadas por Ana Pietra, a sensata amiga imaginária dos três anos de Ceci.
Por tudo isso, criar e educar Clarice tem sido o maior desafio da minha vida. Para entender a lógica dela, tenho que desconstruir toda a minha própria lógica, o que demanda me colocar no lugar de uma menina de três anos. Até nas tarefas básicas do dia a dia, "apanho" ao tentar usar a mão esquerda para ensiná-la a realizar tarefas do jeito destro.
É cansativo, mas compensador. Com Clarice, além de viver toda a alegria de ser mãe de uma menininha meiga, esperta e carinhosa, ainda tenho a oportunidade de absorver, diariamente, o jeito de ser das pessoas muito diferentes de mim, o que não tem preço.

terça-feira, 13 de julho de 2010



A moda sempre me causa estranheza quando faz releituras de conceitos que me são muito próximos. Tachas, por exemplo. Me parece estranho comprar, em lojas, roupas e acessórios enfeitados por umas pecinhas de metal que em nada se parecem com os bons e velhos cintos e braceletes de "rebites" do passado. E as vitrines cheias de roupas sexies revestidas de sei-lá-o-quê metalizados? Me dão uma certa vergonha alheia. Assim como as meigas sapatilhas de tachinhas que pipocam nas mais tradicionais lojas do ramo. Sem falar em calças já rasgadas e shorts de barras dobradas, porém costuradas e bem acabadas.
Tanta indignação é coisa de gente velha, eu sei. Mas a vida é assim, quanto mais experiências a gente vivencia, menos novidades vê nesses fenômenos comerciais. Não tenho nada contra as pessoas comprarem e usarem as roupas punks da Renner ou da C&A, muito pelo contrário. Se a releitura for válida, até eu sou capaz de comprar qualquer coisa só para me divertir. O problema é que fico sem parâmetros sobre o que achar legal e o que é demais pra mim.
Por isso, hoje, passeando pelo comércio popular de Londrina, criei um novo modo de avaliar as peças respondendo a uma pergunta básica: Debbie Harry usaria? Tudo bem que ela já deve ter seus 60 anos. Mas a pergunta retrocede à época em que Debbie era líder do Blondie e, por consequência, uma das criaturas mais cool do final dos anos 70 e início dos 80.
Eu era criancinha nessa tempo. Anos depois, entretanto, elegi Debbie como máxima referência quando o assunto são tachas e afins. Mesmo hoje, já sexagenária, a musa continua me orgulhando. Me parece que ela soube envelhecer sem ser ridícula, coisa que também preciso aprender a fazer. Mas isso é assunto para outra hora. O que importa, agora, é que já sei como decidir diante de vitrines cheias de sapatilhas de tachas, terninhos punks e coisas do gênero: se Debbie Harry usaria, eu também usaria.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Daí que minha sogra, coitada, inconformada com minha decisão de não passar mais roupas, ficou com medo que saíssemos amarrotados pela rua e resolveu fazer o serviço. Veio uma semana, duas semanas...Na terceira semana, achei que não era justo e pensei: "bom, se alguém tem de passar, que seja eu, para evitar exploração desnecessária de parentes." E lá fui, ontem, passar as roupas que estavam acumuladas em cima da tábua.
O problema é que a cada manga alisada, cada toalha dobrada sobre a cadeira, ia me sentindo tolhida de um direito fundamental, instituído por mim mesma: o de não passar roupas. Foi me dando uma opressão, uma vontade de gritar, de sair correndo! Silenciosamente, passei a entoar o mantra budista que aprendi na matéria feita no plantão de domingo. Aí me dei conta que, mesmo trabalhando aos domingos, estava sendo obrigada a passar as roupas, e a sensação de injustiça ficou maior que toda a lavanderia, me sufocando como um grande air bag invisível,praticamente a fumaça preta do Lost. Terminei o trabalho cometendo uma transgressão, a de não passar os lençóis com elástico. Não foi suficiente para aplacar a decepção por não ter realizado a verdadeira revolução doméstica.
Ao final, observando o serviço que me consumiu uma hora e boa parte do fígado, a conclusão foi triste. A despeito de tanto sofrimento, tantas lamentações, tantas convicções questionadas, a verdade era única. Dado meu talento para afazeres domésticos, as roupas estavam melhores antes de receberem o ferro pelas minhas mãos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A menina mais velha vai completar oito anos em poucos dias. Em poucos dias, também, completo oito anos de maternidade. Desde que ela nasceu - algumas horas depois da abertura da Copa do Japão -, é impossível não reviver, na última semana de maio, a experiência mais transformadora da minha vida. Porque Ceci, de certa maneira, nos salvou de uma rotina desregrada que começava a se tornar medíocre.
Foi com ela que aprendi a amar incondicionalmente. E foi também a pequena menininha desafiadora, nos "terrible two", que me mostrou ser possível sentir raiva por amor. Minha filha mais velha, com suas tiradas geniais, deixou meu dia a dia mais divertido e eliminou, pelo menos até agora, qualquer possibilidade de me sentir sozinha. Ensinou ainda a abrir mão sem sofrimento e fez-me reconhecer que tenho muitas qualidades. Ceci também trouxe novos dilemas. E, cada vez que pede explicações filosóficas sobre temas variados, ajuda a organizar minhas próprias crenças e valores.
Ela me emocionou com todas as singelas estreias: a primeira mamada, o primeiro sorriso, as primeiras (e precoces) palavras, os tardios primeiros passos, as primeiras letras, a primeira viagem com os avós, a primeira noite na casa da amiga, a primeira pedalada sem rodinhas, a primeira decepção com a humanidade, a primeira iniciativa para fazer diferença. Por tudo isso e muito mais, escrevo em prantos, agradecida por essa presença na minha vida.
A Clari, minha filha caçula, vai completar três anos em poucas semanas. Seu nascimento também foi transformador. Menos por ter me apresentado novas experiências, e mais por me obrigar a rever, diariamente, verdades sobre a maternidade que considerava inabaláveis. Mas isso é assunto para outra história.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Semana passada, ele era o rapaz de olhos assustados que tentava acalmar a própria mãe desesperada diante do corpo do outro filho morto. Hoje, ele voltou rondar meu bloco de notas (ultimamente sanguinolento) como o aluno aplicado do centro de educação de jovens e adultos. A professora, sem saber da vida do moço, comenta comigo que ele anda aéreo. E eu me lembro que a vida continua depois das tragédias. O pior é que a vida continua.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Totalmente nostálgica, esses dias contava a amigas algumas memórias politicamente incorretas da minha infância nos últimos anos da ditadura militar. A gente morava numa cidadezinha minúscula e fazia compras, visitava parentes, ia ao cinema, etc, etc, em Pres. Prudente. Na "cidade grande", tinha um muro grafitado com a seguinte mensagem, dirigida ao general Figueiredo, presidente da época: "Figueiredo, caga mole e peida azedo." Eu e meu irmão adorávamos passar pelo muro. Era um ritual: fazer compras, visitar a vó, comer... e inocentemente dar risada do grafite. Nós, crianças, não sabíamos bem porque nossa família, os amigos deles e todos com quem convivíamos odiavam o presidente, mas, como todo mundo, vivíamos no clima de espera pela democratização.
Meus pais, como todas as pessoas "cool" daqueles tempos, fumavam enquanto ouviam MPB na sala (as pessoas fumavam dentro de casa, onde havia muitos cinzeiros espalhados, nossa!!!). A marca do meu pai era Minister. Na rodovia entre Prudente e nossa cidadezinha, tinha um enorme outdoor do tal cigarro. Sempre que passávamos por lá, brincávamos de pegar um pro pai, que na entrada da cidade deixava a gente "dirigir" o Corcel branco no colo dele.
Nas sessões de MPB da sala, Chico Buarque era o rei. Por isso, eu e Zé Renato conhecíamos as letras e cantarolávamos "Vai trabalhar vagabundo" e outras do repertório. Uma das brincadeiras corriqueiras, no quintal de trás da casa, onde também fazíamos bolos de barro, era "jogar pedra na Geni". A gente jogava a bola bem forte, gritando: "Joga pedra na Geni, ela dá pra qualquer um, maldita Geni". Não lembro bem, mas acho que deixar a bola cair te transformava na "maldita geni". E tinha a versão "joga bosta na Geni", com os bolos de barro.
Minha mãe não lembra de nada disso. Quando conto coisas do gênero, ela dá risada e garante que não percebia nada. Porque, na sala de casa ouvindo MPB, na sala de aula ensinando Geografia, na cozinha dando ordens pras tais empregadas que a transformaram em "mulher moderna", não devia haver tempo para prestar atenção no que acontecia no quintal. Realmente, a infância é uma época que passa de um jeito bem silencioso...

domingo, 25 de abril de 2010

Aos 14 anos, sob o olhar incrédulo de uma mãe pouco afeita a religiões, vivi uma fase de amigos do grupo de jovens da igreja do bairro. Como previra minha experiente genitora, a fase passou. Logo depois, a despeito de todo alarde em torno da decisão de me tornar jornalista, fiz inscrição num vestibular pra Direito aos 45 do segundo tempo. Não passei, para alívio dos meus pais já confortáveis com a aprovação no vestibular para Jornalismo em Londrina.
Na faculdade, contrariando a expectativa de me tornar uma estudante engajada e afeita aos resquícios da bichogrilice que sobrevivia no campus da UEL nos anos 90, enfurnei-me em inferninhos grunges, frequentei shows de punk rock e vivi, até poucos anos depois de casada, uma vida underground com direito a inaugurar uma era de bandas femininas em Londrina e viajar pela Europa como road de uma banda de grindcore. Impávida, minha mãe sobreviveu aos anos rebeldes e, entre grupos de amigos, chegou a orgulhar-se da filha mais velha que relutava em ser absorvida pelo "sistema".
Quando finalmente fui engolida pelo mesmo, com carteira assinada, grávida da primeira filha e proprietária de um imóvel e um carro mil, ela aceitou com despeito a decisão pelo parto normal (que não aconteceu) e pela amamentação prolongada, apesar de ter me amamentado por apenas um mês (culpa dos pediatras e da propaganda agressiva dos fabricantes de leite artificial, conforme ela mesma explicou quando, de novo, amamentei prolongadamente minha segunda filha).
Adepta da alopatia, essa mulher, com 60 anos, assistiu calada à opção da filha pela homeopatia no tratamento da bronquite da neta. Protestou veementemente quando a família resolveu adotar uma gata, mas, hoje, admite ao menos ficar no mesmo cômodo que a felina.
Incrédula, também acompanhou solidária a saga de tirar e armazenar leite para a bebeia mais nova quando findou a segunda licença-maternidade. Apesar de adepta da velha mamadeira, respeitou a decisão de não oferecer bicos e leite de vaca à menina, e submeteu-se inclusive à experiência de alimentá-la com colherzinha e seringa num momento de emergência em que não estava em casa.
Mulher de fortes convicções, mostrou-se tolerante e até mesmo capaz de mudar de ideia quando convencida das boas intenções dos meus atos. Por tudo isso, não sei porque ainda não tive coragem de contar a ela sobre a decisão mais desafiadora que tomei em relação aos princípios maternos desde que me tornei adulta: dispensar a diarista.
Fruto da liberação feminina feita às custas do trabalho doméstico pouco reconhecido e mal pago dos anos 70 e 80, minha mãe não concebe a possibilidade de uma mulher trabalhadora e "moderna" administrar também a vida doméstica. Eu, por outro lado, cansei de entregar parte importante da minha rotina nas mãos de trabalhadoras mal pagas e pouco comprometidas com o signficado do seu trabalho para o bom andamento da minha vida. Depois de flagar a última diarista advertindo Ceci de que "o anjinho da guarda iria virar as costas para ela" se menina não cedesse um brinquedo para a irmã mais nova, dispensamos a mulher e fizemos um acordo familiar de tentarmos sobreviver sem serviços de terceiros. Está dando certo, com ajustes do tipo "não passar roupas" e "não passar cera líquida nos tacos".
Pra minha mãe, disse apenas que estamos a procura de uma nova diarista. Não estou preparada, ainda, para desafiar a mais forte convicção de mulher moderna que ela pensa ser. Porque, se bem conheço a figura, ela aceita numa boa uma filha punk, netas penduradas no seio materno e até mesmo gatos no sofá. Jamais concordará, entretanto, em ser mãe de uma dona de casa que ainda conta com a ajuda das crianças para manter a ordem doméstica.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Conversinha surreal com o amigo que acolhe Ceci até a hora do transporte escolar pegá-la para ir à escola:
F: Hoje nem te vi, a gente desceu atrasado porque o uniforme da M.C. não estava passado. Lá em casa a gente só passa a roupa na hora de sair...
E eu: Ué, mas vocês AINDA passam roupa?

* Passar roupa é um serviço doméstico abolido da minha rotina. Tenho uma técnica infalível que começa com a compra das roupas adequadas e termina com um jeito especial de pendurar no varal, recolher e já dobrar bem certinho. Ah, e tem que por pouco sabão na máquina, porque senão a roupa endurece. Depois de um tempo, elas até parecem que foram guardadas passadas na gaveta. Porque, vocês sabem, a verdadeira liberação feminina não signifca dividir tarefas, mas sim eliminá-las.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

*Sábado vamos à Expo. Achava que odiava esse programa, mas passei a gostar depois do nascimento das meninas. Filhos mudam paradigmas, mesmo quando a questão envolve música sertaneja, cowboys, cheiro de fritura no ar e montanhas de cocô de vaca.

*Falando em mudança de paradigmas, não tive tempo de tirar o esmalte raio laser que passei, por farra, para agradar as gurias. Assim, desde segunda-feira, saltito entre montanhas de peixes mortos, fugas de presos, protesto no terminal e incêndio de ônibus com as unhas furta cor que variam de pink a azul turquesa. Pra completar, comprei a primeira sombra rosa da minha vida adulta. Totalmente for fun, mesmo.

*E finalmente lavei os cabelos cortados ontem. Odeio escova e cheiro de xampu de cabeleireiro. Vida longa às madeixas lambidas.

*Preguiça de ir ao Viscardi. Falei pras garotas que iríamos à pé e agora sou obrigada a cumprir a programação. Elas amam fazer compras à pé, principalmente quando o destino envolve a travessia da Vila Casoni e seus bazares lotados de inutilidades. Bom ser criança...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ele me colocou na escola com apenas dois anos de idade, me levou e buscou ao colégio por pelo menos 15 anos, me ajudou com a matemática para passar no vestibular, sempre me incentivou a fazer natação, aulas de música ou inglês, me apoiou para deixar Prudente e virar jornalista, dá opiniões sobre meu trabalho e compra o jornal para ler minhas matérias. Para que eu pudesse fazer tudo isso, dava 60 aulas por semana, deixou de comprar carros novos, foi o homem moderno que nos anos 80 cuidava dos filhos, à noite, para a esposa trabalhar e até hoje leva super a sério os compromissos profissionais. Aí, na sexta-feira da Paixão, meu pai, comentando as peripécias de familiares não muito chegados à labuta, me diz que "tanto faz ser cigarra ou formiga, porque, no final, todo mundo morre igual". Depois dessa, cheguei à conclusão que os pais realmente sabem a hora certa de dizer as verdades da vida aos filhos. Imagina se ele tivesse me contado isso aos 17 anos?
*Por sorte, ou por "criação", a verdade é que de vez quando viro cigarra e danço break ou os passinhos da Pink Dink Doo sob luzes estroboscópicas. Porque não dá para viver só de formigadas, né?

domingo, 4 de abril de 2010

Podia chamar de "happening estático" ou "manifestações espontâneas convertidas em toy art". Também podia fotografar e montar uma exposição com um nome complicado, do tipo "rastros aleatórios de brinquedos e pequenos objetos sobre os móveis". Mas prefiro ignorar significados ocultos e atribuir ao acaso ou à imaginação das duas menininhas as cenas estranhas que tenho encontrado pela casa. Dias atrás, um barrigudo buda esmagava um esquálido bonequinho do Joey Ramone, com um postal do filme "Laranja Mecânica" ao fundo, na estante da sala. No banheiro, uma Barbie descabelada e nua reveza-se entre cavalgar o puxador do vitrô e uma bucha verde gritante em forma de sapo. No armário da cozinha, bonequinhas pollies glamurosamente vestidas são cotidianamente encontradas dentro de xícaras, copos e canecas dos personagens disney, paradinhas com aquela cara que nunca muda, só com a cabeça para fora. Ontem, o auge dos acontecimentos inusitados envolveu a gata Chuchu. Dentro do pote de comida da felina, havia um mouse velho enfeitado com orelhas e focinhos de rato feitos em papel, como ensina Mister Maker. Ia perguntar às garotas quem foi a autora da façanha (as orelhas coladas no equipamento com certeza foi coisa da Ceci), mas decidi guardar a dúvida para me divertir com as inúmeras possibilidades.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Em dez anos de reportagem, já cobri muito acidente, muito homícidio e todo tipo de morte violenta. Minha regra é nunca olhar para os corpos mortos e evitar, com bem mais intensidade, a face das vítimas. Mas tem vezes que é impossível, porque a gente chega cedo demais na "ocorrência". E, bem cedo, as coisas ainda estão lá, escancaradas. Me lembro com detalhes de todos os rostos sem vida que encarei. Sempre surpresos e assustados. Sempre de olhos arregalados. O último morto para quem olhei foi o dono de uma empresa de reciclagem na Vila Casoni, assassinado em um assalto. Eu não sabia que o senhor estava dentro do carro parado em frente à firma e fui srpreendida por seu olhar apavorado quando distraidamente fitei o interior do veículo. Passado mais de um ano, a imagem daquele homem apavorado, ainda preso pelo cinto de seugrança, volta à memória sempre que passo pela Rua Caraíbas. Não tenho mais pesadelos, mas também não consigo ficar indiferente. Assim como me comovi, hoje, com a notícia sobre a morte do cartunista Glauco. Com certeza, ele devia estar com uma expressão apavorada, de medo. Que descanse em paz.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Na Avenida Dez de Dezembro, perto da Rodoviária, tem pedintes no semáforo, tem "noiados", tem acidentes, tem assaltos. Agora, lá pertinho, tem também uma pracinha com pista de caminhada, parque infantil, tabuleiros de jogos e academia da terceira idade. Então, agora, ao lado do cruzamento da Dez de Dezembro com a Santa Fé, onde muita gente tem medo de passar, tem crianças brincando, tem mães com bebês, tem senhoras caminhando e adolescentes namorando. A gente mora perto da Rodoviária. Por isso, não tenho medo. Por isso, ao invés de pegar o carro e levar minhas meninas ao Zerão ou ao Igapó (onde também tem assaltos, "noiados" e etc), a gente vai passear a pé na pracinha da Rodoviária. E depois, se der vontade, tomar suco na Casa de Sucos Renato, lá na Rodô. Porque, não importa onde fica, é sempre bom ter um lugar legal pra ir pertinho da casa da gente.

terça-feira, 9 de março de 2010

No primeiro parágrafo de Moby Dick, o marinheiro Ismael, que narra a história, diz que "sempre que sinto na boca um amargor e a alma como se fosse um dia de novembro úmido e chuvoso; sempre que me pego involuntariamente parado diante de empresas funerárias ou a seguir pelas ruas os enterros que encontro e especialmente sempre que minha hipocondria adquire tal domínio sobre mim que é preciso um sólido princípio moral para impedir-me de sair de modo deliberado para a rua e metodicamente surrar as pessoas, significa que é sempre chegado o momento de ir para o mar o mais depressa possível." Estou há alguns dias pensando sobre isso. Porque, claro, tem horas que também sinto impulsos de fugir pro "mar" para não cometer barbaridades. Mas, diferentemente do marinheiro, não tenho uma válvula de escape tão materializada para recorrer nesses momentos. Não há um "mar" na minha vida. E na sua?

domingo, 7 de março de 2010

Nunca me imaginei a vizinha chata que se incomoda com as "baladas" dos vizinhos pós-adolescentes. Mas, depois do quarto fim de semana consecutivo de funks proibidões e músicas sertanejas até as 5 da manhã, bem embaixo da janela das meninas, me enchi. Afinal, a gritaria, a música e as latinhas de cerveja jogadas na rua acordaram Clarice pelo menos umas cinco vezes na mal dormida noite que passou. Li o livro inteiro que a Mari me emprestou, zapeei na TV e até levei a pequena pro nosso quarto, que fica nos fundos. Mas não consegui dormir. Hoje, às 8 horas, a vingança foi perversa. Desde os primeiros momentos da manhã, a trilha sonora na nossa cozinha é punk rock. Periferia, Replicantes, Ratos de Porão, Inocentes e outras gritarias alegraram nosso início de dia e devem ter infernizado os festeiros da noite anterior. Foi de propósito, admito. Mas o resultado foi bem divertido, com a família inteira cantando Sandinista no café da manhã. Definitivamente, quero uma festa punk. E Hey, ho! Let´s go!

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Em 2009, não fui promovida, não recebi aumento, não ganhei prêmios e nem tive reconhecimento maior que o de todos os dias. Depois de muitas idas e vidas entre editorias, porém, consegui fazer as pazes com o trabalho. O resultado foram reportagens que, apesar de muitas vezes comuns, me deixaram feliz quando impressas nas páginas do jornal. Algumas foram sofridas, como esta que publico a seguir, divulgada originalmente na Folha de Londrina no dia 16 de setembro do ano passado. Durante as entrevistas, senti dor de estômago e a eterna sensação de impotência. No final, comemorei, principalmente por, mais uma vez, não ter sucumbido à indifença.

Abandonados antes de nascer
Mães viciadas em drogas negligenciam os filhos; Em Londrina, pelo menos dez gestantes dependentes são identificadas mensalmente

A dependência das drogas pode ser mais forte que sentimentos considerados inabaláveis, como o amor incondicional e o vínculo que une mães e filhos. Em Londrina, apenas na Maternidade Municipal Lucilla Ballalai, pelo menos dez recém-nascidos filhos de mães usuárias de drogas foram encaminhados mensalmente à Vara da Infância e Juventude ou ao Conselho Tutelar em 2009por correrem riscos de serem negligenciados pelas próprias genitoras após a alta do parto.

Sono excessivo, falta de documentos pessoais, ausência do cartão de pré-natal das Unidades Básicas de Saúde (UBS), rejeição do bebê, ansiedade, comportamento exagerado e ''teatral'' com relação aos cuidados da criança e até mesmo o cheiro característico do crack são alguns dos sinais observados pela equipe de psicologia e assistência social que podem evidenciar, na mãe, a condição de usuária de drogas.

Após o nascimento, a saúde do bebê também é indicativo do vício. A pediatra e neotalogista Cristina Mara da Silva, que atende na maternidade, esclareceu que as crianças apresentam problemas de baixo peso por desnutrição aguda, doenças sexualmente transmissíveis como sífilis, gonorreia ou aids e, em casos extremos, sintomas de crise de abstinência pela falta da droga, caracterizadas por choro excessivo, irritabilidade e tremores.

A maioria dos problemas, segundo ela, é resolvida com acompanhamento médico. Somente no caso de dependências crônicas é que observa-se a atrofia cerebral que compromete o desenvolvimento do bebê. ''De qualquer maneira, são crianças extremamente agredidas.''

A assistente social Luciana Mazzarotto Negrini Cortez e a psicóloga Lisnéia Rampazzo, ambas da Maternidade Municipal, explicaram que os sintomas da mãe e do bebê também podem indicar outras dificuldades, como gravidez na adolescência, tristeza materna ou mesmo pobreza. ''Por isso, quando suspeitamos de dependência química, fazemos uma investigação mais aprofundada'', esclareceu Luciana.

Se o diagnóstico é confirmado, a assistente social entra em contato com familiares da mãe para saber se têm intenção de cuidar da criança. Ao assumirem a responsabilidade, os parentes são acompanhados pelo Conselho Tutelar para garantir a proteção necessária ao bebê.

Se a família rejeita a criança, a solução é o abrigamento em instituições e encaminhamento para a adoção. De acordo com a promotora da Vara da Infância e Juventude, Edina Maria de Paula, a única possibilidade da mãe manter a guarda do filho é o ingresso em programas de reabilitação. ''Normalmente elas não dão conta de fazer o tratamento. São pessoas que não têm sonhos, vivem apenas o imediatismo do uso das drogas', afirmou.

A promotora lembra que os casos de abandono são reincidentes. ''A família acolhe o primeiro e o segundo bebê. Quando nascem outras crianças, não querem mais saber'', lamenta, acrescentando que a maioria das mães dependentes químicas não possui vínculo familiar e apresenta histórico de vários filhos rejeitados.

Luciana ressaltou que, neste ano, apenas uma usuária de drogas identificada pela equipe da maternidade aceitou o abrigamento para poder ficar com o filho. A grande maioria demonstra intenção de abandonar o vício e encara o bebê como uma ''salvação''. Pouco tempo após a alta, entretanto, sucumbem novamente às ruas e às drogas.


'Estava chapada e não liguei'

Márcia (nome fictício), 33 anos, passou por três gestações e deu à luz três crianças. Ex-moradora de rua em Londrina, com histórico de uso de drogas e prostituição, ela é mãe de verdade apenas da filha mais nova, de um ano. Os outros dois foram retirados e encaminhados para adoção por causa do vício materno. ''Fiquei com meu primeiro filho até os dois anos e com a segunda filha até mais ou menos essa idade. Mas aí voltei para as drogas e eles foram levados para a adoção.''
Tentando novamente mudar de vida, Márcia encontra-se abrigada com a menina mais nova. Empregada em uma firma e responsável por todos os cuidados com a garota, ela acredita estar mais madura para enfrentar o risco de recaídas. ''Das outras vezes, voltei a me drogar na hora em que as coisas não davam certo'', disse ela, que não sentiu nada no momento em que retiraram-lhe os filhos. ''Estava chapada e não liguei. Depois veio o arrependimento, mas era tarde'', disse.
Mãe que negligenciou os filhos por causa do vício, Márcia tem uma história pessoal marcada pelo abandono. Aos 9 anos, perdeu a mãe e fugiu de casa por não ser aceita pela nova mulher do pai. ''Ele preferiu ficar com ela'', lamentou.
Moradora de um abrigo até os 12 anos, envolveu-se com más companhias e fugiu. Adolescente, começou a cheirar cola e tinner pelas ruas, abrindo caminho para o crack e a prostituição que permitia a aquisição de novas drogas.
Dos pais das crianças, não tem notícias, apesar de terem sido considerados namorados. Sem ter certeza sobre o futuro, ela tenta diariamente sobreviver à vontade de usar drogas e sonha em ter uma casa própria para criar a filha, que felizmente nasceu sem sequelas. ''Foi uma sorte, porque me droguei até o último dia de gravidez.''


Vizinha acolhe filho de mulher dependente

O curto período de 48 horas entre o internamento das gestantes e a alta nem sempre é suficiente para que os profissionais da Maternidade Municipal identifiquem e encaminhem as dependentes e seus filhos. ''Infelizmente, é possível que muitas mães usuárias de drogas tenham deixado a maternidade antes que pudéssemos interferir'', afirmou a assistente social Luciana Cortez.

É este o caso de um bebê que, nascido com desnutrição, refluxo e candidíase, encontrou abrigo na casa de uma vizinha da mãe num bairro carente de Londrina. ''Ele tinha pouco mais de um quilo quando saiu do hospital. A mãe dava o peito, mas usava muita droga'', conta a mulher. ''Todos achavam que ele ia morrer.''

Os avós maternos, que já cuidam de outros irmãos do bebê, não tinham condições financeiras de receber mais um neto. ''Eles também não queriam dar para adoção, por isso, acabei ficando'', contou ela, acrescentando que o recém-nascido passou várias semanas sem registro de nascimento. ''Os avós levaram para registrar e depois me devolveram.''

Aos quatro meses, a criança ganhou bastante peso, recuperou-se das doenças e tem sido acompanhada na unidade de saúde do bairro. ''Os pais passam o tempo usando drogas e não procuram o filho. Cheguei a aconselhar a mãe, mas o que a gente fala não entra na cabeça dela'', lamentou.

Lisnéia Rampazzo, psicóloga da maternidade, explicou que o grau de dependência química da mãe costuma ser inversamente proporcional ao investimento emocional que ela faz na gravidez. ''Se a gestante é muito dependente, a criança não é prioridade na vida dela.''

Para o bebê, a falta de um referencial de cuidador gera o sentimento de desamparo, que acaba sendo amenizado quando ele é inserido em um novo ambiente de cuidados, seja com familiares ou na adoção. ''No caso de ser adotado por uma nova família, recupera-se o prejuízo da falta de referencial materno.''

A psicóloga considera que a doação da criança para a adoção é também um ato de amor da mãe biológica.''Ao reconhecer a falta de condições de cuidar do filho e abrir mão da criança, ela está pensando no bem estar do bebê.''


Vício associa-se à miséria

A realidade observada pelos profissionais que lidam com gestantes viciadas em drogas mostra que a dependência quase sempre associa-se à miséria. ''É através das drogas que elas suprem necessidades como fome e frio'', avaliou Nelma dos Santos Assunção, coordenadora do projeto Casa Abrigo Pão da Vida, que recebe mulheres nas condições citadas.

Ela informou que as gestantes abrigadas na instituição são, na maioria das vezes, moradoras de rua, usuárias de drogas e que se prostituem para conseguir os entorpecentes. ''Elas chegam sem saber o tempo de gravidez ou sem ter realizado qualquer exame pré-natal. São crianças não desejadas e em situação de risco.''

Apenas na semana passada, três gestantes usuárias de drogas estavam abrigadas no Pão da Vida. ''Duas já manifestaram o desejo de doar as crianças antes de sair da maternidade'', revelou. As mulheres procuram a instituição apenas quando não têm mais condições de permanecer nas ruas. ''Se elas quiserem ficar com o bebê, podem voltar para o abrigo.'' Nelma relatou também que essas mães alternam comportamentos de profunda rejeição à gravidez com momentos de aceitação, quando sentem culpa pelas recaídas durante a gestação.


Caminho para a violência e a negligência

''Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes''. O artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente resume como deveria ser o ambiente ideal para o desenvolvimento das crianças. A realidade, porém, é diferente. Por isso, instituições que lidam direta ou indiretamente com meninos e meninas em situação de risco articulam-se para fortalecer a rede de enfrentamento à violência. O objetivo é uniformizar o atendimento nos órgãos que lidam com essa realidade para que as vítimas sejam corretamente encaminhadas.

O médico Renato Mikio Moriya, coordenador da Comissão Municipal de Enfrentamento à Violência Contra Crianças e Adolescentes, enfatizou que, durante a gravidez, a gestante usuária de drogas é quem deve ser tratada, visto que o feto ainda não é considerado sujeito de direito. ''Se ela recusa tratamento e não suspende o uso de drogas, pode ser notificada judicialmente por violência.''

No caso das menores de 18 anos, o Conselho Tutelar e a Vara da Infância e Juventude podem solicitar o tratamento compulsório visando proteger a saúde da mãe. Em se tratando de adultos, porém, não há amparo legal para que esse tipo de medida seja tomada. Após o nascimento, Moriya explicou que, se a mãe continua com os mesmos hábitos de antes da gravidez, pode perder a guarda do filho por colocá-lo em situação de vulnerabilidade. ''A droga abre caminho para a violência e a negligência.''
Ainda divagando sobre o tempo, ele passa rápido e devagar. Essa semana, no trabalho, uma pauta derrubada paralisou o relógio às 10 horas. A ronda policial, os servicinhos burocráticos de todo dia, o café e as lições sobre o sistema editorial ao novo colega não foram capazes de mover os ponteiros para além das 11 horas.
Em casa, vasculhando em roupas guardadas - na época - para um possível segundo filho, fiquei em dúvida se aqueles vestidos e shorts enormes, comprados quando Ceci já não era bebê fazia tempo, serviriam na menininha que há pouco usava fraldas. Chamei Clari para experimentar e – quase de costas no chão – constatei que muitos conjuntinhos tamanho 4 estavam prestes a ficarem apertados.
Coloquei as roupas na máquina de lavar e, na volta, me deparo com Ceci ensimesmada, rodeada por uma boneca, uns retalhos de tecido, brinquedinhos e pedaços de papel cheios de bilhetinhos e notas sobre assuntos importantes do tipo hannah montana, high school musical e esquiletes.
Me dei conta que a menina de quase oito anos é tão independente que tornou-se capaz de passar o tempo sozinha, envolta nos próprios pensamentos. Antes “grudenta”, ela agora se distrai por conta própria, num universo paralelo que não mais me pertence. Paro na porta do quarto e fico observando a veterana do ensino fundamental que há três ou quatro anos desfilava as roupas da sacola de guardados. E, de repente, os vestidos e shorts enormes me pareceram muito, muito pequenos.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Voltei a andar pela Rua Guaporé. O contrabaixo não pesa mais nas minhas costas. Meus passos, entretanto, continuam lentos, atrasados pelas passadas pequeninas da menina de quase três anos a caminho da escola. As esquinas há tempos não abrigam estúdios roqueiros, mas as lojas de materiais de escritório e todo tipo de oficinas de consertos indicam que a vocação da rua sobreviveu às reviravoltas da minha vida.
Forço a memória, mas não consigo ter lembranças do centro de educação infantil que hoje é meu destino diário. Talvez porque, há dez anos, eu andasse pela Guaporé com a cabeça ocupada por letras de música, riffs de guitarra e planos que se concretizavam, no máximo, ao fim da madrugada seguinte.
A paisagem urbana não desperta impressões sobre pessoas estranhas tomando cerveja, dançando forró e saindo de si nos botecos entre o Terminal Urbano e o estúdio revestido de caixas de ovos. No início do dia, chama-me a atenção a fila de desempregados na porta do Sine, o trânsito lento e outros acontecimentos cotidianos que podem “render pauta”.
A conversa da menininha curiosa, encantada com a própria capacidade de atravessar quatro quarteirões puxando a mochila do ursinho Pooh que acomoda uma troca de roupas e uma agenda, diverte tanto quanto as antigas divagações com amigas de guitarra e baquetas.
Tão cedo na rua, pensando em matérias depois de ter preparado café da manhã, fiscalizado duas mochilas, vestido dois uniformes e escovado duas boquinhas cheias de dentes, quase me convenço de ter sido realmente premiada com um super neurônio que, dez anos atrás, também tornava-me capaz de tocar punk rock, frequentar inferninhos underground, trabalhar no dia seguinte e ainda entregar trabalhos que rendiam nota máxima na faculdade.
No caminho de volta, penso sobre o espaço que os acontecimentos ocupam na memória. Hoje, andando pela Guaporé, as lembranças mais vivas vêm dos estúdios, das noites, das cervejas, das canções. Em uma década, quando passar pela mesma rua, é certo que a lembrança mais emocionante será a da menininha engraçada, curiosa e arteira, encantada com a própria capacidade de atravessar quatro quarteirões puxando uma bolsa.