domingo, 25 de abril de 2010

Aos 14 anos, sob o olhar incrédulo de uma mãe pouco afeita a religiões, vivi uma fase de amigos do grupo de jovens da igreja do bairro. Como previra minha experiente genitora, a fase passou. Logo depois, a despeito de todo alarde em torno da decisão de me tornar jornalista, fiz inscrição num vestibular pra Direito aos 45 do segundo tempo. Não passei, para alívio dos meus pais já confortáveis com a aprovação no vestibular para Jornalismo em Londrina.
Na faculdade, contrariando a expectativa de me tornar uma estudante engajada e afeita aos resquícios da bichogrilice que sobrevivia no campus da UEL nos anos 90, enfurnei-me em inferninhos grunges, frequentei shows de punk rock e vivi, até poucos anos depois de casada, uma vida underground com direito a inaugurar uma era de bandas femininas em Londrina e viajar pela Europa como road de uma banda de grindcore. Impávida, minha mãe sobreviveu aos anos rebeldes e, entre grupos de amigos, chegou a orgulhar-se da filha mais velha que relutava em ser absorvida pelo "sistema".
Quando finalmente fui engolida pelo mesmo, com carteira assinada, grávida da primeira filha e proprietária de um imóvel e um carro mil, ela aceitou com despeito a decisão pelo parto normal (que não aconteceu) e pela amamentação prolongada, apesar de ter me amamentado por apenas um mês (culpa dos pediatras e da propaganda agressiva dos fabricantes de leite artificial, conforme ela mesma explicou quando, de novo, amamentei prolongadamente minha segunda filha).
Adepta da alopatia, essa mulher, com 60 anos, assistiu calada à opção da filha pela homeopatia no tratamento da bronquite da neta. Protestou veementemente quando a família resolveu adotar uma gata, mas, hoje, admite ao menos ficar no mesmo cômodo que a felina.
Incrédula, também acompanhou solidária a saga de tirar e armazenar leite para a bebeia mais nova quando findou a segunda licença-maternidade. Apesar de adepta da velha mamadeira, respeitou a decisão de não oferecer bicos e leite de vaca à menina, e submeteu-se inclusive à experiência de alimentá-la com colherzinha e seringa num momento de emergência em que não estava em casa.
Mulher de fortes convicções, mostrou-se tolerante e até mesmo capaz de mudar de ideia quando convencida das boas intenções dos meus atos. Por tudo isso, não sei porque ainda não tive coragem de contar a ela sobre a decisão mais desafiadora que tomei em relação aos princípios maternos desde que me tornei adulta: dispensar a diarista.
Fruto da liberação feminina feita às custas do trabalho doméstico pouco reconhecido e mal pago dos anos 70 e 80, minha mãe não concebe a possibilidade de uma mulher trabalhadora e "moderna" administrar também a vida doméstica. Eu, por outro lado, cansei de entregar parte importante da minha rotina nas mãos de trabalhadoras mal pagas e pouco comprometidas com o signficado do seu trabalho para o bom andamento da minha vida. Depois de flagar a última diarista advertindo Ceci de que "o anjinho da guarda iria virar as costas para ela" se menina não cedesse um brinquedo para a irmã mais nova, dispensamos a mulher e fizemos um acordo familiar de tentarmos sobreviver sem serviços de terceiros. Está dando certo, com ajustes do tipo "não passar roupas" e "não passar cera líquida nos tacos".
Pra minha mãe, disse apenas que estamos a procura de uma nova diarista. Não estou preparada, ainda, para desafiar a mais forte convicção de mulher moderna que ela pensa ser. Porque, se bem conheço a figura, ela aceita numa boa uma filha punk, netas penduradas no seio materno e até mesmo gatos no sofá. Jamais concordará, entretanto, em ser mãe de uma dona de casa que ainda conta com a ajuda das crianças para manter a ordem doméstica.

2 comentários:

Ana disse...

Ah!!! Carol!!! Vc. entrou pro meu time????

Carol disse...

Ah, mas não com todo o profissionalismo necessário!!! Eu sou aquela que finge não ter visto a poeira no final do serviço!