terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Voltei a andar pela Rua Guaporé. O contrabaixo não pesa mais nas minhas costas. Meus passos, entretanto, continuam lentos, atrasados pelas passadas pequeninas da menina de quase três anos a caminho da escola. As esquinas há tempos não abrigam estúdios roqueiros, mas as lojas de materiais de escritório e todo tipo de oficinas de consertos indicam que a vocação da rua sobreviveu às reviravoltas da minha vida.
Forço a memória, mas não consigo ter lembranças do centro de educação infantil que hoje é meu destino diário. Talvez porque, há dez anos, eu andasse pela Guaporé com a cabeça ocupada por letras de música, riffs de guitarra e planos que se concretizavam, no máximo, ao fim da madrugada seguinte.
A paisagem urbana não desperta impressões sobre pessoas estranhas tomando cerveja, dançando forró e saindo de si nos botecos entre o Terminal Urbano e o estúdio revestido de caixas de ovos. No início do dia, chama-me a atenção a fila de desempregados na porta do Sine, o trânsito lento e outros acontecimentos cotidianos que podem “render pauta”.
A conversa da menininha curiosa, encantada com a própria capacidade de atravessar quatro quarteirões puxando a mochila do ursinho Pooh que acomoda uma troca de roupas e uma agenda, diverte tanto quanto as antigas divagações com amigas de guitarra e baquetas.
Tão cedo na rua, pensando em matérias depois de ter preparado café da manhã, fiscalizado duas mochilas, vestido dois uniformes e escovado duas boquinhas cheias de dentes, quase me convenço de ter sido realmente premiada com um super neurônio que, dez anos atrás, também tornava-me capaz de tocar punk rock, frequentar inferninhos underground, trabalhar no dia seguinte e ainda entregar trabalhos que rendiam nota máxima na faculdade.
No caminho de volta, penso sobre o espaço que os acontecimentos ocupam na memória. Hoje, andando pela Guaporé, as lembranças mais vivas vêm dos estúdios, das noites, das cervejas, das canções. Em uma década, quando passar pela mesma rua, é certo que a lembrança mais emocionante será a da menininha engraçada, curiosa e arteira, encantada com a própria capacidade de atravessar quatro quarteirões puxando uma bolsa.

5 comentários:

1º Encontro de Contadores de Londrina disse...

Uma delícia seu blog, Carol! bom vc ter voltado! Eu eu vir parar aqui via FB. Beijo,Claudia

Fabio Ciquini disse...

Gostei Kérollll hahah acho que estou atravessando (em partes) sua fase de dez anos atrás
Beijo

mari disse...

que bom que voltou...

Carol disse...

Hahaha, Fabio! O bom de viver bem as fases é depois lembrar delas e até mesmo ter uns revivals com gente "suuuuper leeegal".

janaog disse...

kérol, delícia de pôste!