segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Clarice fez três anos. Pouco tempo perto de toda a história da humanidade, mas uma eternidade para mim que, de uma hora pra outra, tive que realmente aprender a lidar com a diversidade dos seres humanos. Porque ser mãe da Cecília sempre foi natural. Como eu, minha primogênita é mais introspectiva que extrovertida, troca facilmente os esportes pela literatura, perde tempo com filosofias baratas e cultiva uma certa letargia inerente às pessoas que pensam demais. Além de tudo, é canhota como a mãe, o que me facilitou horrores nos ensinamentos para a auto-suficiência nos primeiros anos de vida.
Clarice é diferente. Mais intuitiva que reflexiva, anda correndo, alheia a obstáculos como quinas de mesa ou brinquedos no chão. Exploradora, estreeou em casa a mania de puxar um banquinho para alcançar coisas no alto e, independente, conquistou o direito de fazê-lo para lavar as mãos sozinha, acender a luz ou pegar brinquedos e livros na prateleira mais alta. Foi por ela que, mãe de segunda viagem e depois dos 30, aprendi a ficar ligada em movimentos bruscos, silêncios prolongados e locais propícios a escapulidas. Também aprendi a argumentar de forma menos racional, pautada pela intuição, mesmo que isso às vezes culmine em conversas sem sentido com uma pequena de três anos. Porque Clarice, ao contrário da irmã, demora a perceber que causas têm consequências. Impulsiva e aventureira, sempre paga para ver, o que me deixa com cólicas ao imaginar que, no futuro, ela possa gostar de coisas do tipo saltar de paraquedas.
Clarice sempre tem solução para tudo e, quase sem pensar, coloca as ideias em prática sem ter certeza de que vai dar certo. Intuitiva, quase sempre consegue. Natália, a amiga imaginária, leva culpa por traquinagens nunca antes realizadas por Ana Pietra, a sensata amiga imaginária dos três anos de Ceci.
Por tudo isso, criar e educar Clarice tem sido o maior desafio da minha vida. Para entender a lógica dela, tenho que desconstruir toda a minha própria lógica, o que demanda me colocar no lugar de uma menina de três anos. Até nas tarefas básicas do dia a dia, "apanho" ao tentar usar a mão esquerda para ensiná-la a realizar tarefas do jeito destro.
É cansativo, mas compensador. Com Clarice, além de viver toda a alegria de ser mãe de uma menininha meiga, esperta e carinhosa, ainda tenho a oportunidade de absorver, diariamente, o jeito de ser das pessoas muito diferentes de mim, o que não tem preço.

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