terça-feira, 25 de maio de 2010

Daí que minha sogra, coitada, inconformada com minha decisão de não passar mais roupas, ficou com medo que saíssemos amarrotados pela rua e resolveu fazer o serviço. Veio uma semana, duas semanas...Na terceira semana, achei que não era justo e pensei: "bom, se alguém tem de passar, que seja eu, para evitar exploração desnecessária de parentes." E lá fui, ontem, passar as roupas que estavam acumuladas em cima da tábua.
O problema é que a cada manga alisada, cada toalha dobrada sobre a cadeira, ia me sentindo tolhida de um direito fundamental, instituído por mim mesma: o de não passar roupas. Foi me dando uma opressão, uma vontade de gritar, de sair correndo! Silenciosamente, passei a entoar o mantra budista que aprendi na matéria feita no plantão de domingo. Aí me dei conta que, mesmo trabalhando aos domingos, estava sendo obrigada a passar as roupas, e a sensação de injustiça ficou maior que toda a lavanderia, me sufocando como um grande air bag invisível,praticamente a fumaça preta do Lost. Terminei o trabalho cometendo uma transgressão, a de não passar os lençóis com elástico. Não foi suficiente para aplacar a decepção por não ter realizado a verdadeira revolução doméstica.
Ao final, observando o serviço que me consumiu uma hora e boa parte do fígado, a conclusão foi triste. A despeito de tanto sofrimento, tantas lamentações, tantas convicções questionadas, a verdade era única. Dado meu talento para afazeres domésticos, as roupas estavam melhores antes de receberem o ferro pelas minhas mãos.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A menina mais velha vai completar oito anos em poucos dias. Em poucos dias, também, completo oito anos de maternidade. Desde que ela nasceu - algumas horas depois da abertura da Copa do Japão -, é impossível não reviver, na última semana de maio, a experiência mais transformadora da minha vida. Porque Ceci, de certa maneira, nos salvou de uma rotina desregrada que começava a se tornar medíocre.
Foi com ela que aprendi a amar incondicionalmente. E foi também a pequena menininha desafiadora, nos "terrible two", que me mostrou ser possível sentir raiva por amor. Minha filha mais velha, com suas tiradas geniais, deixou meu dia a dia mais divertido e eliminou, pelo menos até agora, qualquer possibilidade de me sentir sozinha. Ensinou ainda a abrir mão sem sofrimento e fez-me reconhecer que tenho muitas qualidades. Ceci também trouxe novos dilemas. E, cada vez que pede explicações filosóficas sobre temas variados, ajuda a organizar minhas próprias crenças e valores.
Ela me emocionou com todas as singelas estreias: a primeira mamada, o primeiro sorriso, as primeiras (e precoces) palavras, os tardios primeiros passos, as primeiras letras, a primeira viagem com os avós, a primeira noite na casa da amiga, a primeira pedalada sem rodinhas, a primeira decepção com a humanidade, a primeira iniciativa para fazer diferença. Por tudo isso e muito mais, escrevo em prantos, agradecida por essa presença na minha vida.
A Clari, minha filha caçula, vai completar três anos em poucas semanas. Seu nascimento também foi transformador. Menos por ter me apresentado novas experiências, e mais por me obrigar a rever, diariamente, verdades sobre a maternidade que considerava inabaláveis. Mas isso é assunto para outra história.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Semana passada, ele era o rapaz de olhos assustados que tentava acalmar a própria mãe desesperada diante do corpo do outro filho morto. Hoje, ele voltou rondar meu bloco de notas (ultimamente sanguinolento) como o aluno aplicado do centro de educação de jovens e adultos. A professora, sem saber da vida do moço, comenta comigo que ele anda aéreo. E eu me lembro que a vida continua depois das tragédias. O pior é que a vida continua.