quarta-feira, 28 de abril de 2010

Totalmente nostálgica, esses dias contava a amigas algumas memórias politicamente incorretas da minha infância nos últimos anos da ditadura militar. A gente morava numa cidadezinha minúscula e fazia compras, visitava parentes, ia ao cinema, etc, etc, em Pres. Prudente. Na "cidade grande", tinha um muro grafitado com a seguinte mensagem, dirigida ao general Figueiredo, presidente da época: "Figueiredo, caga mole e peida azedo." Eu e meu irmão adorávamos passar pelo muro. Era um ritual: fazer compras, visitar a vó, comer... e inocentemente dar risada do grafite. Nós, crianças, não sabíamos bem porque nossa família, os amigos deles e todos com quem convivíamos odiavam o presidente, mas, como todo mundo, vivíamos no clima de espera pela democratização.
Meus pais, como todas as pessoas "cool" daqueles tempos, fumavam enquanto ouviam MPB na sala (as pessoas fumavam dentro de casa, onde havia muitos cinzeiros espalhados, nossa!!!). A marca do meu pai era Minister. Na rodovia entre Prudente e nossa cidadezinha, tinha um enorme outdoor do tal cigarro. Sempre que passávamos por lá, brincávamos de pegar um pro pai, que na entrada da cidade deixava a gente "dirigir" o Corcel branco no colo dele.
Nas sessões de MPB da sala, Chico Buarque era o rei. Por isso, eu e Zé Renato conhecíamos as letras e cantarolávamos "Vai trabalhar vagabundo" e outras do repertório. Uma das brincadeiras corriqueiras, no quintal de trás da casa, onde também fazíamos bolos de barro, era "jogar pedra na Geni". A gente jogava a bola bem forte, gritando: "Joga pedra na Geni, ela dá pra qualquer um, maldita Geni". Não lembro bem, mas acho que deixar a bola cair te transformava na "maldita geni". E tinha a versão "joga bosta na Geni", com os bolos de barro.
Minha mãe não lembra de nada disso. Quando conto coisas do gênero, ela dá risada e garante que não percebia nada. Porque, na sala de casa ouvindo MPB, na sala de aula ensinando Geografia, na cozinha dando ordens pras tais empregadas que a transformaram em "mulher moderna", não devia haver tempo para prestar atenção no que acontecia no quintal. Realmente, a infância é uma época que passa de um jeito bem silencioso...

domingo, 25 de abril de 2010

Aos 14 anos, sob o olhar incrédulo de uma mãe pouco afeita a religiões, vivi uma fase de amigos do grupo de jovens da igreja do bairro. Como previra minha experiente genitora, a fase passou. Logo depois, a despeito de todo alarde em torno da decisão de me tornar jornalista, fiz inscrição num vestibular pra Direito aos 45 do segundo tempo. Não passei, para alívio dos meus pais já confortáveis com a aprovação no vestibular para Jornalismo em Londrina.
Na faculdade, contrariando a expectativa de me tornar uma estudante engajada e afeita aos resquícios da bichogrilice que sobrevivia no campus da UEL nos anos 90, enfurnei-me em inferninhos grunges, frequentei shows de punk rock e vivi, até poucos anos depois de casada, uma vida underground com direito a inaugurar uma era de bandas femininas em Londrina e viajar pela Europa como road de uma banda de grindcore. Impávida, minha mãe sobreviveu aos anos rebeldes e, entre grupos de amigos, chegou a orgulhar-se da filha mais velha que relutava em ser absorvida pelo "sistema".
Quando finalmente fui engolida pelo mesmo, com carteira assinada, grávida da primeira filha e proprietária de um imóvel e um carro mil, ela aceitou com despeito a decisão pelo parto normal (que não aconteceu) e pela amamentação prolongada, apesar de ter me amamentado por apenas um mês (culpa dos pediatras e da propaganda agressiva dos fabricantes de leite artificial, conforme ela mesma explicou quando, de novo, amamentei prolongadamente minha segunda filha).
Adepta da alopatia, essa mulher, com 60 anos, assistiu calada à opção da filha pela homeopatia no tratamento da bronquite da neta. Protestou veementemente quando a família resolveu adotar uma gata, mas, hoje, admite ao menos ficar no mesmo cômodo que a felina.
Incrédula, também acompanhou solidária a saga de tirar e armazenar leite para a bebeia mais nova quando findou a segunda licença-maternidade. Apesar de adepta da velha mamadeira, respeitou a decisão de não oferecer bicos e leite de vaca à menina, e submeteu-se inclusive à experiência de alimentá-la com colherzinha e seringa num momento de emergência em que não estava em casa.
Mulher de fortes convicções, mostrou-se tolerante e até mesmo capaz de mudar de ideia quando convencida das boas intenções dos meus atos. Por tudo isso, não sei porque ainda não tive coragem de contar a ela sobre a decisão mais desafiadora que tomei em relação aos princípios maternos desde que me tornei adulta: dispensar a diarista.
Fruto da liberação feminina feita às custas do trabalho doméstico pouco reconhecido e mal pago dos anos 70 e 80, minha mãe não concebe a possibilidade de uma mulher trabalhadora e "moderna" administrar também a vida doméstica. Eu, por outro lado, cansei de entregar parte importante da minha rotina nas mãos de trabalhadoras mal pagas e pouco comprometidas com o signficado do seu trabalho para o bom andamento da minha vida. Depois de flagar a última diarista advertindo Ceci de que "o anjinho da guarda iria virar as costas para ela" se menina não cedesse um brinquedo para a irmã mais nova, dispensamos a mulher e fizemos um acordo familiar de tentarmos sobreviver sem serviços de terceiros. Está dando certo, com ajustes do tipo "não passar roupas" e "não passar cera líquida nos tacos".
Pra minha mãe, disse apenas que estamos a procura de uma nova diarista. Não estou preparada, ainda, para desafiar a mais forte convicção de mulher moderna que ela pensa ser. Porque, se bem conheço a figura, ela aceita numa boa uma filha punk, netas penduradas no seio materno e até mesmo gatos no sofá. Jamais concordará, entretanto, em ser mãe de uma dona de casa que ainda conta com a ajuda das crianças para manter a ordem doméstica.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Conversinha surreal com o amigo que acolhe Ceci até a hora do transporte escolar pegá-la para ir à escola:
F: Hoje nem te vi, a gente desceu atrasado porque o uniforme da M.C. não estava passado. Lá em casa a gente só passa a roupa na hora de sair...
E eu: Ué, mas vocês AINDA passam roupa?

* Passar roupa é um serviço doméstico abolido da minha rotina. Tenho uma técnica infalível que começa com a compra das roupas adequadas e termina com um jeito especial de pendurar no varal, recolher e já dobrar bem certinho. Ah, e tem que por pouco sabão na máquina, porque senão a roupa endurece. Depois de um tempo, elas até parecem que foram guardadas passadas na gaveta. Porque, vocês sabem, a verdadeira liberação feminina não signifca dividir tarefas, mas sim eliminá-las.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

*Sábado vamos à Expo. Achava que odiava esse programa, mas passei a gostar depois do nascimento das meninas. Filhos mudam paradigmas, mesmo quando a questão envolve música sertaneja, cowboys, cheiro de fritura no ar e montanhas de cocô de vaca.

*Falando em mudança de paradigmas, não tive tempo de tirar o esmalte raio laser que passei, por farra, para agradar as gurias. Assim, desde segunda-feira, saltito entre montanhas de peixes mortos, fugas de presos, protesto no terminal e incêndio de ônibus com as unhas furta cor que variam de pink a azul turquesa. Pra completar, comprei a primeira sombra rosa da minha vida adulta. Totalmente for fun, mesmo.

*E finalmente lavei os cabelos cortados ontem. Odeio escova e cheiro de xampu de cabeleireiro. Vida longa às madeixas lambidas.

*Preguiça de ir ao Viscardi. Falei pras garotas que iríamos à pé e agora sou obrigada a cumprir a programação. Elas amam fazer compras à pé, principalmente quando o destino envolve a travessia da Vila Casoni e seus bazares lotados de inutilidades. Bom ser criança...

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Ele me colocou na escola com apenas dois anos de idade, me levou e buscou ao colégio por pelo menos 15 anos, me ajudou com a matemática para passar no vestibular, sempre me incentivou a fazer natação, aulas de música ou inglês, me apoiou para deixar Prudente e virar jornalista, dá opiniões sobre meu trabalho e compra o jornal para ler minhas matérias. Para que eu pudesse fazer tudo isso, dava 60 aulas por semana, deixou de comprar carros novos, foi o homem moderno que nos anos 80 cuidava dos filhos, à noite, para a esposa trabalhar e até hoje leva super a sério os compromissos profissionais. Aí, na sexta-feira da Paixão, meu pai, comentando as peripécias de familiares não muito chegados à labuta, me diz que "tanto faz ser cigarra ou formiga, porque, no final, todo mundo morre igual". Depois dessa, cheguei à conclusão que os pais realmente sabem a hora certa de dizer as verdades da vida aos filhos. Imagina se ele tivesse me contado isso aos 17 anos?
*Por sorte, ou por "criação", a verdade é que de vez quando viro cigarra e danço break ou os passinhos da Pink Dink Doo sob luzes estroboscópicas. Porque não dá para viver só de formigadas, né?

domingo, 4 de abril de 2010

Podia chamar de "happening estático" ou "manifestações espontâneas convertidas em toy art". Também podia fotografar e montar uma exposição com um nome complicado, do tipo "rastros aleatórios de brinquedos e pequenos objetos sobre os móveis". Mas prefiro ignorar significados ocultos e atribuir ao acaso ou à imaginação das duas menininhas as cenas estranhas que tenho encontrado pela casa. Dias atrás, um barrigudo buda esmagava um esquálido bonequinho do Joey Ramone, com um postal do filme "Laranja Mecânica" ao fundo, na estante da sala. No banheiro, uma Barbie descabelada e nua reveza-se entre cavalgar o puxador do vitrô e uma bucha verde gritante em forma de sapo. No armário da cozinha, bonequinhas pollies glamurosamente vestidas são cotidianamente encontradas dentro de xícaras, copos e canecas dos personagens disney, paradinhas com aquela cara que nunca muda, só com a cabeça para fora. Ontem, o auge dos acontecimentos inusitados envolveu a gata Chuchu. Dentro do pote de comida da felina, havia um mouse velho enfeitado com orelhas e focinhos de rato feitos em papel, como ensina Mister Maker. Ia perguntar às garotas quem foi a autora da façanha (as orelhas coladas no equipamento com certeza foi coisa da Ceci), mas decidi guardar a dúvida para me divertir com as inúmeras possibilidades.